Maria Alcina reflete sobre perdas e ganhos ao se ver no espelho da vida em documentário sem viço e vivacidade

  • 18/10/2024
(Foto: Reprodução)
Em cartaz na 48ª mostra de cinema de São Paulo, o filme ‘Sem vergonha’, de Rafael Saar, enfoca cantora que teve a voz calada pela ditadura militar em 1974. A cantora mineira Maria Alcina interpreta músicas como a marcha ‘Eu quero botar meu bloco na rua’ e o samba ‘Com que roupa?’ no filme ‘Sem vergonha’ André Morbach / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DOCUMENTÁRIO MUSICAL Título: Maria Alcina – Sem vergonha Direção: Rafael Saar Roteiro: Thiago Brito Cotação: ★ ★ 1/2 ♪ O grande problema de Sem vergonha – documentário de Rafael Saar sobre Maria Alcina que estreia na 48ª Mostra internacional de cinema de São Paulo, com sessões em 20, 26 e 29 de outubro – é que falta ao filme a vivacidade que caracteriza o canto dessa artista mineira de presença esfuziante. Cineasta habituado a se desviar dos formatos convencionais, Rafael Saar apresenta doc em que Alcina reflete sobre perdas e ganhos da trajetória artística ao se ver no espelho da vida. Sem pulso, o roteiro de Thiago Brito é costurado por encenações de trechos marcantes da cantora nascida há 75 anos em Cataguases (MG), revelada na boate carioca Number One e projetada em escala nacional ao defender Fio maravilha (Jorge Ben Jor, 1972) na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC). A ideia é boa, mas resulta frustrante porque o roteiro transcorre sem ânimo e sem a energia que anima o espírito inquieto e transgressor de Maria Alcina. “Meu corpo é o meu palco e o meu cenário”, resume Alcina no início do filme. Esse corpo incomodou tanto que, após lançar dois álbuns com relativo sucesso em 1973 e 1974, a cantora foi impedida pelos censores da ditadura militar de trabalhar por 20 dias ainda em 1974, há 50 anos. Quando o prazo se encerrou, contratantes de shows, diretores de gravadoras, radialistas e donos de TV fecharam as portas para Alcina, receosos de represálias por parte dos algozes do regime. A volta da cantora à cena se deu somente em 1979, dentro do universo do forró de duplo sentido, e com incursões pelos picadeiros dos circos armados Brasil afora. Toda essa (grande) história é contada sem viço no filme, entre (poucas) imagens de arquivo e alguns inéditos números musicais feitos com arranjos e direção musical de Rovilson Pascoal, guitarrista que deu forma a um dos grandes álbuns da discografia da cantora, Espírito de tudo (2017), dedicado ao cancioneiro de Caetano Veloso. Dos números musicais criados e/ou captados para o filme, vale destacar o dueto de Alcina com Ney Matogrosso na marcha Eu quero é botar meu bloco na rua (1972), apresentada pelo cantor e compositor Sérgio Sampaio (1947 – 1994) no mesmo FIC de 1972 que projetou a cantora para todo o Brasil. O canto do refrão esboça empolgação que escasseia ao longo dos 79 minutos do documentário, inclusive no reencontro de Alcina com Edy Star para cantar o samba Com que roupa? (Noel Rosa, 1929). Contudo, cabe louvar a tentativa de Rafael Saar de documentar a saga de Alcina fora da fórmula depoimentos elogiosos + imagens de arquivo + entrevista com o artista enfocado. Batizado com o nome da música de Jorge Ben Jor lançada por Alcina no álbum Bucaneira (1992) e revivida pela cantora no revigorante disco De normal bastam os outros (2013), o filme Sem vergonha rebobina composições como a marcha Dionísio, deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013). Se o doc tivesse radicalizado na intenção de ser mais dionisíaco e menos contemplativo, o filme teria se afinado mais com o canto, o corpo e a alma de Maria Alcina.

FONTE: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2024/10/18/maria-alcina-reflete-sobre-perdas-e-ganhos-ao-se-ver-no-espelho-da-vida-em-documentario-sem-vico-e-vivacidade.ghtml


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